Cartas


 Cartas de Santa Clara a Santa Inês de Praga


1ª carta de Santa Clara a Inês de Praga
1 À venerável e santa virgem, dona Inês, filha do excelentíssimo e ilustríssimo rei da Boêmia, 2 Clara, indigna fâmula de Jesus Cristo e serva inútil das senhoras inclusas do mosteiro de São Damião, sua serva sempre submissa, recomenda-se inteiramente e deseja, com especial reverência, que obtenha a glória (cf. Eclo 50,5) da felicidade eterna.
          3 Sabedora da boa fama de vosso santo comportamento e vida, que não só chegou até mim, mas foi esplendidamente divulgada em quase toda a terra, muito me alegro e exulto no Senhor (cf. Hab 3,18). 4 Disso posso exultar tanto eu mesma como todos os que prestam serviço a Jesus Cristo ou desejam fazê-lo.
5 Porque, embora pudésseis gozar, mais do que outros, das pompas e honras deste mundo, desposando legitimamente, com a maior glória, o ilustre imperador, como teria sido conveniente à vossa excelência e à dele, 6 rejeitastes tudo isso e preferistes a santíssima pobreza e as privações corporais, com toda a alma e com todo o afeto do coração, 7 tomando um esposo da mais nobre estirpe, o Senhor Jesus Cristo, que guardará vossa virgindade sempre imaculada e intacta.
 
8 Amando-o, sois casta; tocando-o, tornar-vos-eis mais limpa; acolhendo-o, sois virgem. 9 Seu poder é mais forte, sua generosidade mais elevada, seu aspecto é mais belo, o amor mais suave, e toda a graça mais elegante. 10 Já estais tomada pelos abraços daquele que ornou vosso peito com pedras preciosas e colocou em vossas orelhas pérolas inestimáveis. 11 Ele vos envolveu de gemas primaveris e coruscantes e vos deu uma coroa de ouro marcada com o sinal da santidade (cf. Eclo 45,14).
12 Portanto, irmã caríssima, ou melhor, senhora muito digna de veneração, porque sois esposa, mãe e irmã (cf. 2Cor 11,2; Mt 12,50) do meu Senhor Jesus Cristo, 13 destacada pelo esplendor do estandarte da inviolável virgindade e da santíssima pobreza, ficai firme no santo serviço do pobre Crucificado, ao qual vos dedicastes com amor ardente.
  14 Ele suportou por todos nós a paixão (cf. Hb 12,2) da cruz e nos arrancou do poder do príncipe das trevas (cf.Cl 1,13), que nos acorrentava pela transgressão de nosso primeiro antepassado, e nos reconciliou (2Cor 5,18) com Deus Pai.  
15 Ó bem-aventurada pobreza, que àqueles que a amam e abraçam concede as riquezas eternas. 16 Ó santa pobreza, aos que a têm e desejam Deus prometeu o reino dos céus (cf. Mt 5,3), e são concedidas sem dúvida alguma a glória eterna e a vida feliz! 17 Ó piedosa pobreza, que o Senhor Jesus Cristo dignou-se abraçar acima de tudo, ele que regia e rege o céu e a terra, ele que disse e tudo foi feito (cf.Sl 32,9)!   18 Pois disse que as raposas têm tocas e os passarinhos têm ninhos mas o Filho do Homem, Jesus Cristo, não tem onde reclinar a cabeça (cf.Mt 8,20). Mas, inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 19,30).
19 Portanto, se tão grande e elevado Senhor, vindo a um seio virginal, quis aparecer no mundo desprezado, 20 indigente e pobre, para que os homens, paupérrimos e miseráveis, na extrema indigência do alimento celestial, nele se tornassem ricos possuindo os reinos celestes, 21 vós tendes é que exultar e vos alegrar (cf. Hb 13,18) muito, repleta de imenso gáudio e alegria espiritual, 22 pois tivestes maior prazer no desprezo do século que nas honras, preferistes a pobreza às riquezas temporais e achastes melhor guardar tesouros no céu que na terra, 23 porque lá nem a ferrugem consome nem a traça rói, e os ladrões não saqueiam nem roubam (cf.Mt 6,20). Vossa recompensa será enorme nos céus (Mt 5,12),24 e merecestes ser chamada com quase toda a dignidade de irmã, esposa e mãe (cf. 2Cor 11,2; Mt 12,50) do Filho do Pai Altíssimo e da gloriosa Virgem.
25 Creio firmemente que sabeis que o reino dos céus não é prometido e dado pelo Senhor senão aos pobres (cf. Mt 5,3), porque, quando se ama uma coisa temporal, perde-se o fruto da caridade. 26 Sabeis que não se pode servir a Deus e às riquezas, porque ou se ama a um e se odeia às outras, ou serve-se a Deus e desprezam-se as riquezas (cf. Mt 6,24). 27 Sabeis que vestido não pode lutar com nu, pois vai mais depressa ao chão quem tem onde ser agarrado. 28 Sabeis que não dá para ser glorioso no mundo e lá reinar com Cristo, e que é mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha que o rico subir ao reino do céu (cf. Mt 19,24). 29 Por isso vos livrastes das vestes, isto é, das riquezas temporais, para não sucumbir de modo algum ao lutador e poder entrar no reino dos céus pelo caminho duro e pela porta estreita (cf. Mt 7,13-14).   30 Que troca maior e mais louvável: deixar as coisas temporais pelas eternas, merecer os bens celestes em vez dos terrestres, receber cem por um e possuir a vida (cf. Mt 19,29) feliz para sempre!
  31 Por isso achei bom suplicar vossa excelência e santidade, na medida do possível, com humildes preces, nas entranhas de Cristo (cf. Fl 1,8), que vos deixeis fortalecer no seu santo serviço,  32crescendo de bem para melhor, de virtude em virtude (cf. Sl 83,8), para que aquele que servis com todo desejo do coração digne-se dar-vos os desejados prêmios.  
33 Quanto me é possível, também vos suplico no Senhor que vos lembreis em vossas santas preces (cf. Rm 15,30) de mim, vossa serva, embora inútil, e das outras Irmãs que vivem comigo no mosteiro e vos apreciam.   34 Que com a ajuda dessas preces possamos merecer a misericórdia de Jesus Cristo, para gozar junto a vós da eterna visão.
  35 Que o Senhor vos guarde. Orai por mim (cf. 1Ts 5,25).


2ª carta de Santa Clara a Inês de Praga
1,2 Clara, serva inútil e indigna das pobres damas, saúda dona Inês, filha do Rei dos reis, serva do Senhor dos senhores (cfr. Ap 19,16; 1Tm 6,15), esposa digníssima de Jesus Cristo e por isso rainha nobilíssima, augurando que viva sempre na mais alta pobreza.
3 Agradeço ao Doador da graça, do qual cremos que procedem toda dádiva boa e todo dom perfeito (Tg 1,17), pois adornou-a com tantos títulos de virtude e a fez brilhar em sinais de tanta perfeição, 4 para que, feita imitadora atenta do Pai perfeito (cf. Mt 5,48), mereça ser tão perfeita que seus olhos não vejam em você nada de imperfeito (cf. Sl 138,16).
5 É essa perfeição que vai uni-la ao próprio Rei no tálamo celeste, onde se assenta glorioso sobre um trono estrelado.  
6 Desprezando o fausto de um reino da terra, dando pouco valor à proposta de um casamento imperial,
7 você se fez seguidora da santíssima pobreza em espírito de grande humildade e do mais ardente amor, juntando-se aos passos daquele com quem mereceu unir-se em matrimônio.
8 Mas eu sei que você é rica de virtudes e vou ser breve para não a sobrecarregar de palavras supérfluas, 9 mesmo que não lhe pareça demasiado nada que lhe possa dar alguma consolação. 10 Mas, como uma só coisa é necessária (Lc 10,42), é só isso que eu confirmo, exortando-a por amor daquele a quem você se entregou como oferenda santa (cf. Rm 12,1) e agradável.
11 Lembre-se da sua decisão como uma segunda Raquel: não perca de vista seu ponto de partida, conserve o que você tem, faça o que está fazendo e não o deixe (cf. Ct 3,4), 12 mas, em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a poeira, 13 confiante e alegre, avance com cuidado pelo caminho da bem-aventurança.  14 Não confie em ninguém, não consinta com nada que queira afastá-la desse propósito, que seja tropeço no caminho (cf. Rm 14,13), para não cumprir seus votos ao Altíssimo (Sl 49,14) na perfeição em que o Espírito do Senhor a chamou.
15 Nisso, para ir com mais segurança pelo caminho dos mandamentos (cfr. Ps 118,32) do Senhor, siga o conselho de nosso venerável pai, o nosso Frei Elias, ministro geral.  16 Prefira-o aos conselhos dos outros e tenha-o como o mais precioso dom.
17 Se alguém lhe disser outra coisa, ou sugerir algo diferente, que impeça a sua perfeição ou parecer contrário ao chamado de Deus, mesmo que mereça sua veneração, não siga o seu conselho.  18 Abrace o Cristo pobre como uma virgem pobre.
19 Veja como por você ele se fez desprezível e o siga, sendo desprezível por ele neste mundo.  20 Com o desejo de imitá-lo, mui nobre rainha, olhe, considere, contemple o seu esposo, o mais belo entre os filhos dos homens (Sl 44,3) feito por sua salvação o mais vil de todos, desprezado, ferido e tão flagelado em todo o corpo, morrendo no meio das angústias próprias da cruz.
21 Se você sofrer com ele, com ele vai reinar; se chorar com ele, com ele vai se alegrar; se morrer com ele (cf. 2Tm 2,11.12; Rm 8,17) na cruz da tribulação vai ter com ele mansão celeste nos esplendores dos santos (Sl 109,3). 22 E seu nome, glorioso entre os homens, será inscrito no livro da vida (Sl 109,3).
23 Assim, em vez dos bens terrenos e transitórios, você vai ter parte na glória do reino celeste eternamente, para sempre, vai ter bens eternos em vez dos perecedores, e viverá pelos séculos dos séculos.
24 Adeus, irmã querida, senhora minha pelo Senhor que é seu esposo.  25 Em suas piedosas preces, procure lembrar ao Senhor (cf. At 14,22) de mim e de minhas Irmãs, que nos alegramos com os bens que o Senhor realiza em você por sua graça.26 Recomende-nos também, e muito, às suas Irmãs.

 3ª carta de Santa Clara a Inês de Praga
  1,2 Clara, humílima e indigna servidora de Cristo e serva das damas pobres, à reverendíssima senhora em Cristo, sua irmã Inês, a mais amável de todos os mortais, irmã do ilustre rei da Boêmia e, agora, irmã e esposa (cf. Mt 12,50; 2Cor 11,2) do sumo Rei dos céus. Desejo-lhe as alegrias da salvação e o melhor que se possa desejar no autor da salvação (cf. Hb 2,10).
  3 Tenho a maior alegria e transbordo com a maior exultação no Senhor ao saber que está cheia de vigor, em boa situação e obtendo êxitos no caminho iniciado para obter o galardão celeste.  4 Ouvi dizer e estou convencida de que você completa maravilhosamente o que falta em mim e nas outras Irmãs para seguir os passos de Jesus Cristo pobre e humilde.
  5 Eu me alegro de verdade, e ninguém vai poder roubar-me esta alegria, 6 porque já alcancei o que desejava abaixo do céu: vejo que você, sustentada por maravilhosa prerrogativa de sabedoria da própria boca de Deus, já suplantou impressionante e inesperadamente as astúcias do esperto inimigo: o orgulho que perde a natureza humana, a vaidade que torna estultos os corações dos homens. 7 Vejo que são a humildade, a força da fé e os braços da pobreza que a levaram a abraçar o tesouro incomparável escondido no campo do mundo e dos corações humanos, com o qual compra-se (cf. Mt 13,44) aquele por quem tudo foi feito (cf. Jo 1,3) do nada. 8 Eu a considero, num bom uso das palavras do Apóstolo, auxiliar do próprio Deus, sustentáculo dos membros vacilantes de seu corpo inefável.
9 Quem vai me dizer, então, para não exultar com tão admiráveis alegrias? 10 Por isso, exulte sempre no Senhor (cf. Fl 4,4) também você, querida.  11 Não se deixe envolver pela amargura e o desânimo, senhora amada em Cristo, gozo dos anjos e coroa (Fl 4,1) das Irmãs.
12 Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no esplendor da glória (cf. Hb 1,3).  13 Ponha o coração na figura da substância (cf. Hb 1,3) divina e transforme-se inteira, pela contemplação, na imagem (cf. 2Cor 3,18) da divindade.
14 Desse modo também você vai experimentar o que sentem os amigos quando saboreiam a doçura escondida (cf. Sl 30,20), que o próprio Deus reservou desde o início para os que o amam. 15 Deixe de lado tudo que neste mundo falaz e perturbador prende seus cegos amantes e ame totalmente o que se entregou inteiro por seu amor, 16 aquele cuja beleza o sol e a lua admiram, cujos prêmios são de preciosidade e grandeza sem fim (Sl 144,3). 17 Falo do Filho do Altíssimo, que a Virgem deu à luz permanecendo virgem depois do parto. 18 Prenda-se à sua dulcíssima Mãe, que gerou tal Filho que os céus não podiam conter (cf. 1Rs 8,27), 19 mas que ela recolheu no pequeno claustro do seu santo seio e carregou no seu regaço de menina.
20 Quem não tem horror das insídias do inimigo do homem que, pela tentação de glórias passageiras e falazes, tenta aniquilar o que é maior do que o céu?  21 Pois é claro que, pela graça de Deus, a mais digna das criaturas, a alma do homem fiel, é maior do que o céu.  22 Pois os céus, com as outras criaturas, não podem conter (cf. 2Cr 2,5; 1Rs 8,27) o Criador: só a alma fiel é sua mansão e sede. E isso só pela caridade que os ímpios não têm, pois, 23 como diz a Verdade: Quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei , e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada (Jo 14,21.23).
24 Assim como a gloriosa Virgem das virgens o trouxe materialmente, 25 assim também você, seguindo seus passos (cf. 1Pd 2,21), especialmente os da humildade e pobreza, sem dúvida alguma, poderá trazê-lo espiritualmente em um corpo casto e virginal. 26 Você vai conter quem pode conter você e todas as coisas (cf. Sb 1,7; Cl 1,17), vai possuir algo que, mesmo comparado com as outras posses passageiras deste mundo, será mais fortemente seu.
27 Nisso enganam-se certos reis e rainhas deste mundo: 28 sua soberba pode chegar ao céu e sua cabeça pode tocar as nuvens mas, no fim, serão reduzidos ao esterco (Jó 20,6-7).
29 Quanto às coisas sobre as quais você pediu a minha opinião, 30 acho que posso responder o seguinte. Você pergunta que festas nosso glorioso pai São Francisco nos aconselhou a celebrar especialmente, pensando, se entendi bem, que é possível variar os pratos.
31 Em sua prudência você certamente saberá que, com exceção das fracas e das doentes, para quem exortou-nos e até mandou usar de toda discrição possível com respeito a qualquer alimento, 32 nenhuma de nós que fosse sadia e forte deveria comer senão alimentos quaresmais, tanto nos dias feriais como nos festivos, jejuando todos os dias, 33 com exceção dos domingos e do Natal do Senhor, em que deveríamos comer duas vezes.
34 Também nas quintas-feiras, em tempo ordinário, fica à vontade de cada uma; quem não quiser não é obrigada a jejuar. 35 Mas nós, sadias, jejuamos todos os dias, exceto nos domingos e no Natal. 36 Mas não somos obrigadas ao jejum, de acordo com um escrito do beato Francisco, por todo o tempo da Páscoa e nas festas de Santa Maria e dos santos Apóstolos, a não ser que essas festas caiam em sexta-feira. 37 Mas, como disse, as que somos sãs e fortes sempre comemos alimentos quaresmais.
38 Entretanto, como não temos carne de bronze nem a robustez de uma rocha (Jó 20,6-7), 39 pois até somos frágeis e inclinadas a toda debilidade corporal, 40 rogo e suplico no Senhor, querida, que deixe, com sabedoria e discrição, essa austeridade exagerada e impossível que eu soube que você empreendeu, 41 para que, vivendo, sua vida seja louvor (cf. Is 38,19; Eclo 17,27)do Senhor, e para que preste a seu Senhor um culto racional (cf. Rm 12,1) e seu sacrifício seja sempre temperado com sal (Lv 2,13; Cl 4,6).
42 Eu lhe desejo tudo de bom no Senhor, como desejo a mim mesma. Lembre-se de mim e de minhas Irmãs em suas santas orações.


4ª carta de Santa Clara a Inês de Praga           
  1 À outra metade da minha alma, singular sacrário do meu cordial amor, à ilustre rainha, esposa do Cordeiro, Rei eterno, dona Inês, minha caríssima mãe e filha, especial entre todas as outras, 2 eu, Clara, serva indigna de Cristo e inútil servidora das suas servas que vivem no mosteiro de São Damião em Assis, 3 desejo saúde e que possa cantar o cântico novo diante do trono de Deus e do Cordeiro, juntamente com as outras santas virgens, e seguir o Cordeiro onde quer que ele vá (Ap 14,3-4).
4 Ó mãe e filha, esposa (cf. Mt 12,50; 2Cor 11,2)do Rei de todos os séculos, embora não tenha escrito mais vezes, como a minha alma e a sua igualmente desejam e de certa forma até necessitariam, não estranhe 5 nem pense que o fogo do amor está ardendo menos no coração de sua mãe. 6 A dificuldade é esta: faltam portadores e o perigo nas estradas é conhecido.
7 Mas agora, podendo escrever à minha querida, alegro-me e exulto com você, ó esposa de Cristo, na alegria do espírito (cf. 1Ts 1,6). 8 Pois, como Inês, a outra virgem santa, você desposou de modo maravilhoso o Cordeiro imaculado (1Pd 1,19) que tira o pecado do mundo (Jo 1,29), deixando todas as vaidades desta terra.
9 Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele 10 cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, 11 cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, 12 cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, 13 cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, 14 pois é o esplendor da glória (Hb 1,3) eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha (Sb 7,26).
15 Olhe dentro desse espelho todos os dias, ó rainha, esposa de Jesus Cristo, e espelhe nele, sem cessar, o seu rosto, 16 para enfeitar-se toda, interior e exteriormente, vestida e cingida de variedade (Sl 44,10), 17 ornada também com as flores e roupas das virtudes todas, ó filha e esposa caríssima do sumo Rei. 18 Pois nesse espelho resplandecem a bem-aventurada pobreza, a santa humildade e a inefável caridade, como, nele inteiro, você vai poder contemplar com a graça de Deus.
19 Preste atenção no princípio do espelho: a pobreza daquele que, envolto em panos, foi posto no presépio (cf. Lc 2,12)! 20 Admirável humildade, estupenda pobreza! 21 O Rei dos anjos, o Senhor do céu e da terra (cf. Mt 11,25) repousa numa manjedoura. 22 No meio do espelho, considere a humildade, ou pelo menos a bem-aventurada pobreza, as fadigas sem conta e as penas que suportou pela redenção do gênero humano. 23 E, no fim desse mesmo espelho, contemple a caridade inefável com que quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa.
24 Assim, posto no lenho na cruz, o próprio espelho advertia quem passava para o que deviam considerar: 25 ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se há outra dor igual à minha (Lm 1,12).
26 Respondamos a uma voz, num só espírito, ao que clama e grita: Vou me lembrar para sempre e minha alma vai desfalecer em mim (Lm 3,20).
27 Tomara que você se inflame cada vez mais no ardor dessa caridade, ó rainha do Rei celeste! 28 Além disso, contemplando suas indizíveis delícias, riquezas e honras perpétuas, 29 proclame, suspirando com tamanho desejo do coração e tanto amor:
30 Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor dos teus bálsamos (Ct 1,3), ó esposo celeste!
31 Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na tua adega (Ct 2,4), 32 até que tua esquerda esteja sob a minha cabeça, sua direita me abrace (Ct 2,6) toda feliz, e me dês o beijo mais feliz de tua boca (Ct 1,1).
33 Posta nessa contemplação, lembre-se de sua mãe pobrezinha,34 sabendo que eu gravei sua feliz recordação de maneira indelével nas tábuas do meu coração (cf. Pr 3,3; 2Cor 3,3)porque você, para mim, é a mais querida de todas.
35 Que mais? No amor por você, cale-se a língua de carne, fale a língua do espírito. 36 Filha bendita, como a língua do corpo não pode expressar melhor o afeto que tenho por você, 37 peço que aceite com bondade e devoção isto que eu escrevi pela metade, olhando ao menos o carinho materno que me faz arder de caridade todos os dias por você e suas filhas. 38 Minhas filhas também, de modo especial a virgem prudentíssima Inês, minha irmã, recomendam-se no Senhor, quanto podem, a você e suas filhas.
39 Adeus, filha querida, a você e a suas filhas, até o trono de glória do grande Deus (cf. Tt 2,13). Rezem por nós (cf. 1Ts 5,25).
40 Pela presente recomendo, quanto posso à sua caridade os portadores desta carta, nossos caríssimos Frei Amado, querido por Deus e pelos homens (cf. Eclo 45,1), e Frei Bonagura. Amém.